Os desafios de ser mulher no mercado de tecnologia
*Por Deborah Alves
Sempre gostei muito de exatas e constantemente me vi sendo uma das únicas mulheres no meio. Aos 9 anos, peguei uma apostila de HTML da minha mãe e comecei a desenvolver sites. Aos 11, vendi um template para um blog por 15 reais. Mas foi aos 13 que resolvi focar em competições de matemática. Representei o Brasil em sete competições internacionais e fui a sexta mulher da história do País a ir para a Olimpíada Internacional. Isso para mim foi um marco, já que, desde 1979, seis alunos brasileiros participam por ano do evento e apenas sete mulheres participaram até então. Olhando além, para se ter uma ideia, dos participantes de todos os países todo ano, aproximadamente 10% é mulher. É muito pouco!
Das Olimpíadas, fui estudar em Harvard e voltei às raízes da computação. Confesso que, lá, havia mais mulheres em computação do que eu via por aqui. Ainda somos minoria nos cursos de ciências e tecnologia. Hoje, no Brasil, correspondemos a apenas 17% do total de programadores.
Mas essa percepção não para por aí. Ao longo da minha trajetória acadêmica e profissional, continuei a perceber este gargalo. Cheguei a ser a única desenvolvedora da equipe algumas vezes. Na última empresa que trabalhei nos EUA, na Quora, no Vale do Silício, a proporção de mulheres desenvolvedoras era maior que a média, mas ainda éramos poucas se comparadas ao número de homens.
Acredito que ainda existe muita segregação e isso vem desde a infância. As meninas são ensinadas a brincar de boneca e casinha, enquanto os meninos brincam de legos e outras coisas mais criativas. Eu, particularmente, brincava de tudo. Herdei os legos do meu irmão e as barbies da minha irmã. Além disso, desde pequena, tive contato com computador e tinha a liberdade de aprender sozinha. Mas eu tenho plena consciência que muitas meninas não têm o apoio que tive.
Hoje, eu tenho um programa de mentoria para meninas onde selecionamos as poucas premiadas nas olimpíadas pra incentivá-las a continuar. A maioria das alunas já ouviram de colegas, pais ou professores que deveriam desistir. Isso sem falar dentro do âmbito profissional, no qual ainda existe as “politicagens” dentro das empresas, onde não há um processo claro de promoção e o beneficiado acaba sendo aquele que tem mais influência política, quase um esquema de “broderagem”. Fora os casos mais graves de assédio, que já ouvi de alunas, colegas de faculdade e colegas de trabalho.
Um dos pontos que faz sentido analisarmos sobre essa minoria é a autoconfiança. Vejo em muitas meninas e mulheres uma confiança muito menor do que a dos homens. Muitas mulheres não sabem se auto-promover tão bem. Por exemplo, existem estatísticas conhecidas que provam que as mulheres só se candidatam para uma vaga de trabalho se atingirem 100% dos requisitos, enquanto os homens se candidatam se atingirem aproximadamente 60%.
As mulheres têm mais medo de errar. Sentem a necessidade de serem perfeitas. Mas, na verdade, não precisamos ser perfeitas, temos apenas que ser corajosas e tentar. São questões bastante enraizadas. As meninas são sutilmente ensinadas a ficar escondidas e acabam sendo menos seguras, menos ousadas e corajosas, têm muito medo de errar e acabam perdendo oportunidades. É algo cultural e muito forte. Tem até um TED talk maravilhoso que fala exatamente disso.
Eu, particularmente, nunca tive experiências diretas de desincentivos. Sempre fui muito apoiada pela minha família, professores e amigos. Mas tive muitos anos de aprendizado para conseguir ser mais segura de mim, perder medo de errar, e, saber me vender melhor. Foi a consequência do machismo enraizado que mais me afetou e ainda me afeta.
O que fazer para melhorar essa situação no mercado de trabalho?
Como empreendedora, acredito que para termos maior representatividade de gênero no mercado de trabalho devemos investir em processos justos e transparentes. Estabeleça um fluxo objetivo de promoção e ajuste salarial, e, não deixe a politicagem reinar na sua empresa. Tenha um processo justo, objetivo e holístico de compensação e reconhecimento dos funcionários. Para isso, estabeleça um procedimento de revisão de performance regular, que leve em consideração a opinião de todos que trabalham com a pessoa, não apenas seu líder direto. Defina faixas de níveis que correspondam às responsabilidades e performance dos funcionários e também a faixa salarial, e use a revisão de performance para definir em qual nível cada colaborador se encaixa. Dessa forma você cria uma ferramenta justa de avaliação de performance e promoção.
É importante também ter esse propósito no processo de recrutamento e seleção. Lembre-se que os recrutadores tendem a contratar mais pessoas parecidas com si mesmos. Isso adiciona muito viés no processo seletivo, ou seja, homens tendem a contratar mais homens. E, como eu disse anteriormente, as mulheres se vendem menos, mas isso não significa que são menos competentes. Portanto, organize o processo de seleção de forma objetiva, estruturando antecipadamente as fases seletivas e quais perguntas ou testes são relevantes para medir as capacidades que você procura em alguém. Dessa forma você não depende da capacidade de autopromoção da pessoa para medir suas qualidades, competências e experiências.
Além disso, é importante buscarmos sempre inspirações. Incentive programas de mentoria na empresa e traga mulheres de sucesso para palestrar e falar com seus colaboradores. Mostre bons exemplos e representatividade através de dados e consequências do machismo no dia a dia. Em suma, mostre como sua empresa pode ser mais forte com mais representatividade.
* Deborah Alves, 25 anos, é formada em Ciência da Computação e Matemática pela Harvard. Foi engenheira de software na Quora, no Vale do Silício, e cofundadora da BRASA – Brazilian Student Association, uma organização de estudantes brasileiros fora do Brasil com o intuito de empoderar gerações de líderes brasileiros. Hoje, atua como CTO da Cuidas, startup que conecta empresas com médicos de família para atendimentos no próprio local de trabalho.